Herança Espiritual

Temo afastar-me dos conteúdos maçónicos ao revelar-lhes esta Prancha, pois ultimamente o profano em mim grita tão alto que me faz esquecer quem sou; durante uma crise, é este o dano colateral mais temido, pois há uma linha muito ténue entre o que somos e o que julgamos ser, como temos constatado ultimamente.
Vi-me exposto, sem proteção, a uma tempestade de granizo; e estremeço ao imaginar as consequências que terá nos campos que me rodeiam, em vias de florir…
Não me protegi por não ter trancas na minha porta do Ser. Enquanto Maçon e da maneira como compreendo a Maçonaria, não pode haver barreiras físicas para nos protegermos de algo, que à partida, não seria necessário proteger.
Se o fizesse seria aí que me trairia, que me ‘profanizava’ em território sagrado. Por vocação, por juramento de fraternidade, é-me impossível imaginar intempéries desta natureza. E se elas acontecem, e sabemos que assim é, só me resta a serenidade para resolver o problema, não contrariando desígnios que possivelmente não alcanço, e sabendo que não podemos precaver-nos perante o inesperado, pois isso contrariaria a forma de vivermos em liberdade: o calculismo faz parte do livre arbítrio, mas não o condiciona; é um pouco como o Amor: se fosse pela razão que escolhêssemos quem amar, morreríamos sem conhecer a tal ‘chama que arde sem se ver’
Nunca estaremos verdadeiramente a salvo desses momentos, pois nada é imutável.
As formas de lidar com problemas no seio da nossa organização estão testadas e foram lavradas ao abrigo dos usos e costumes que nos regem.    As constituições que nos guiam enquanto membros de uma obediência maçónica, estão implícitas nos nossos juramentos ritualísticos e escritas, não agora, mas há vários séculos.
Utilizar tácticas profanas em terreno sagrado deu no que deu.
Estas tempestades sem aviso são as que mais custam ultrapassar; confesso que há dois anos e enquanto obreiro da GLUP, tive uma epifania;  cheguei a sentir-me assim como a Julie Andrews portuguesa, em versão masculina e com avental de Mestre, extrapolando para um delírio maçónico a canção por ela cantada no filme ‘Música no coração’ quando, numa harmonia perfeita com a imagem, exalta que ‘as montanhas estão vivas com o som da música’; era a maçonaria da nossa obediência que nos fazia sentir vivos.
“Shit happens!”, como dizem os americanos no seu pragmatismo popular; e como estamos entre homens, nem mesmo algo tão sublime como a Iniciação nos refreou de desmentir o provérbio popular que nos considera, por sermos irmãos, piores que inimigos…
Temo, sobretudo, que com a saraiva cega e destruidora, muitos rebentos nascidos no nosso jardim, muitas promessas de beleza, sejam decepados pela cegueira da força da intempérie, inviabilizando a exaltação à verdadeira sabedoria que uma flor transmite.
A idade, e talvez por isso também a bexiga, encurralada pela hipertrofiada próstata, não me deixa dormir muitas horas seguidas; desperto para aliviar as necessidades fisiológicas e, uma vez regressado à cama, permaneço em vigília, desfiando angustias; só o espreitar da aurora, anunciada com os cantos dispersos das aves canoras, me apazigua.
Mas até lá sou assolado por um assombro desencantado, filho da insónia e onde, ao longe, ainda sinto o rugir de trovões, sinal persistente da tempestade cavalgando as serranias do optimismo onde a música se extinguiu.
Durante esse período e quando a leitura em excesso já se reflete no ardor que sinto nos olhos, evoco exercícios mentais aprendidos em leituras de auto-ajuda e outros, normalmente mais eficazes, em instrução de Ioga.
Volto a atenção para o corpo, para a respiração. Medito para entrar dentro de mim. Faço-o pelo local que se me oferece mais convidativo, mais luminoso, ou seja, o 7º chakra, o da fronte, entre as sobrancelhas, destino final das minhas deambulações por outros pontos; aí chegado, concentro a consciência no Agora e faço por sentir o pulsar da vida, o leve arquejar do peito acompanhando o ritmo suave da inspiração e da expiração.
E então, numa espécie de filme interior revelado no Chidakasha budista, o nome atribuído ao écran negro onde se projectam os sonhos, algumas imagens familiares começam a revelar-se.
A primeira coisa que identifico, talvez por ser responsável pela sua concepção, é a abóbada celeste do Templo Pátria, sede da GLUP.
Mas não é o tecto propriamente dito aquilo que vejo, mas sim a representação estelar que representa; a minha visão, neste estado hipnagógico em que me encontro, tem profundidade de campo. Todas as estrelas e esquemas geométricos lá representados tomam uma perspectiva realista, tridimensional e familiar para um observador no nosso planeta.
Como tenho sempre presente que ‘o que está em cima é como o que está em baixo’, volto os olhos, sem os abrir, na direcção virtual aprendida nas cartas astronómicas vindas da trigonometria esférica.
Sou guiado na procura do reflexo na Terra deste universo espiritual, o seu correspondente cá em baixo. Encontro-o suspenso sobre os ladrilhos bicolores onde sobressai o altar dos juramentos; aliviado, confirmo que tudo é Universo, tudo é Templo.
Holograficamente, três filas de imagens desfilam paralelamente entre si, na vertical, à minha frente, fazendo-me lembrar as ‘slot-machines’; quando o movimento abranda, intuo que neste ‘jogo da vida’ o GADU, na sua infinita sabedoria, recorre a eufemismos profanos para me fazer ver o essencial.
Vejo então três imagens distintas, lado a lado; nos casinos isto significa que tenho que voltar a alimentar a máquina com uma nova moeda, pois sem emparelhamento não há prémio e quem joga quer ganhar…
À falta de trocos respondo franzindo o sobrolho duma forma violenta, num misto de perplexidade e concentração pelo inesperado da visão que agora vos revelo.
Distingo então, naquela que é a representação que se encontra à minha esquerda, a carta nº 9 do Tarot e que representa o Eremita.
Considerando haver uma razão de ser para ter ‘recebido’ esta informação, relembro aquilo que sei sobre algumas matérias que me podem levar a descodificar esta imagem:
Em todas as antigas escolas de mistérios que remontam a Zarathustra e ao séc. VII a.C., o nove representa o conceito gnóstico da máxima perfeição: (sem comentários…)
O desenho deste número tem uma forma embrionária e remete-nos ao período de gestação do ovo dentro do útero feminino, uma Santíssima Trindade elevada à potência de três…
O conhecimento codificado nestas cartas de tarot criadas, segundo se pensa, por Hermes Trismegisto, é baseado na cabala, uma sabedoria universal milenar que nos ensina os princípios espirituais que regem a vida.
A palavra “Cabala” vem do aramaico e significa receber.
Ensina-nos sobretudo a receber energia na vida, através do viver em harmonia com as leis e princípios do Universo; e defende que todos temos um potencial intrínseco que nos permite sonhar com a plenitude das nossas realizações; se compreendermos que a vida é regida por uma lei de causa e efeito, de ação e reação, percebemos que iremos colher amanhã os frutos das sementes que hoje plantamos.
Esta ideologia baseada no livre arbítrio, está consignada na maioria das sociedades pagãs e esotéricas vindas de tempos remotos à Idade Média, aparecendo inclusive, já no séc. XVIII, ligada ao grau 33 da Maçonaria especulativa!
Vejamos agora a próxima imagem: o rosto de Fernando Pessoa emoldurado por uma Vesica Piscis.
A Vesica é o resultado da intercepção de dois círculos idênticos, talvez a célula masculina e a feminina que nos conceberam; é assim nomeada por a sua forma lembrar, entre outras, a da bexiga dos peixes; pelo mesmo motivo, chamam-lhe os italianos de Mandorla, amêndoa; eu vejo nela simbolismo vaginal, um portal entre dois mundos: o uterino, sagrado, e o profano, para onde se nasce.
Sabemos que a Vesica corresponde, na simbólica pitagórica dos antigos mestres-construtores, ao “espaço de manifestação” ou incarnação do divino no mundo dos homens, como bem constatou Lima de Freitas.
Olhando melhor para o rosto de Fernando Pessoa que flutua à minha frente, noto que o fundo onde se revela é feito de palavras, um pouco à semelhança do bem conhecido auto retrato do Almada Negreiros, ou mesmo dum palimpsesto. Consigo ler:
“Para todos os que queiram mais da vida do que o que ela é em si mesma, a regra é aquela que, em um dos seus modos, os três graus maçónicos simbolizam. Entramos Aprendizes pelo sofrimento, passamos Companheiros pelo propósito, somos levantados Mestres pelo sacrifício. De outro modo se não chega, na arte como na vida, à Cadeira que é o Trono, de Salomão.”
 Finalmente, a última das representações, à minha direita:
Reconheço o selo real de D. Afonso Henriques como o encontramos no foral de Ceras, quando investiu Gualdim Pais do poder para erigir a igreja matriz dos templários e reconstruir a cidade de Thamara, hoje Tomar.
Em rodapé, leio uma frase de Nietzsche:
“O valor de um povo ou de um homem não se mede senão pelo poder que tem de apor sobre a sua experiência o selo do eterno, porque deste modo emancipa-se, por assim dizer, do mundo e mostra a sua fé inconsciente mas íntima na relatividade do tempo e na significação verdadeira, isto é, metafísica da vida.
 Pergunto-me de Tomar é o mais relevante nesta aparição, pois nunca compreendi as verdadeiras razões para ter sido este o local eleito para ‘sede’ do templarismo em Portugal; mas o que é certo é que este lugar, muito muito antes, já tinha atraído outros povos.
E depois, mesmo antes da edificação do que hoje é conhecido por Convento de Cristo, foi levada a cabo a construção da Igreja de Santa Maria do Olival. Sei que este local foi identificado teluricamente como zona energética de grande importância como atesta o menir que se encontra perto da nascente do Agroal, uma pedra de ‘acupunctura paleolítica’ onde consta que os templários gravaram a sua cruz.
Mas voltemos ao selo, que sei ser muito especial. A localização das letras de Portugal permite que também se possa ler Por – Tu – Gral.
O ó está na interseção da cruz feita com os meridianos do circulo, no centro da circunferência e, nesta representação tridimensional que me é dada a ver, tem uma cor azulada que se destaca das estrelas que compõem o Universo preto e prata do Templo.
E é de forma inesperada que noto, quando estou a olhar precisamente para este centro, que este pontinho azul não é um circulo como o da letra ó mas sim uma esfera, e que está a deslocar-se, saindo da sua posição relativa.
Esta cena é um déjà vu…concentro-me um pouco e aí está! Aquele ponto azul é a Terra como foi fotografada pela nave Voyager 1 quando se encontrava nas imediações de Saturno, no dia de S. Valentim de 1990. A pedido de Carl Sagan, a NASA autorizou que a câmara de bordo fosse virada na direção da Terra e o resultado ainda hoje nos toca: somos um pequeno pixel de azul pálido na imensidão do Universo!
Perdemos tempo com o supérfluo quando só nos devia interessar o essencial, é isso que me vem ao espirito. Como disse Carl Sagan:
Não há melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso pequeno mundo.
 Nela destaca-se a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros com vista a preservar e proteger o ‘pálido ponto azul’, o único lar que conhecemos até hoje’.
Depois disto adormeci profundamente e quando acordei tinha sonhado que era noite de Santo António; estava no Templo, em sessão de Loja convosco; desta vez voltei a adormecer… em paz.
LVB, MM e VM da RL Phi nº 9, no Templo Pátria, a Oriente de Lisboa, 13/06/2018