Se olharmos para Portugal como uma entidade que existe – e ninguém poderá afirmar que Portugal não existe – então, poderemos aceitar, como o fez Fernando Pessoa, que é possível fazer-lhe um horóscopo, um mapa astrológico, determinar-lhe a figura circular que define a relação exacta do céu com a terra no ponto do tempo em que nasceu. E é neste sentido, enquanto ser do tempo, que o vemos conformar-se ao movimento dos astros, desenvolver-se e envolver-se por ciclos.
Debrucemo-nos agora em Pessoa e no que escreveu no seu livro Mensagem:
Cumpriu-se o mar e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Num primeiro olhar, e se tivermos em conta que este livro foi editado em 1934, não deixa de surpreender que este ‘Império que se desfez’ não é ainda a constatação do que iria acontecer em Abril, quarenta anos depois.
Para percebermos melhor o que encerram estas frases, vamos socorrer-nos de uma carta dos anos trinta, resgatada da famosa ‘arca pessoana’ em 1988 pelo investigador Pedro Teixeira da Mota, ano em que foi tornada pública.
O teor desta carta é dirigido ao conde e filósofo alemão Hermann von Keyserling, com o intuito de lhe dar a conhecer correctamente quem são os portugueses, em resposta ao que ele disse sobre nós. Para percebermos melhor o que se passou, vamos tentar conhecer melhor este personagem.
Sabemos que veio ao nosso país para um ciclo de conferências a convite da denominada Junta de Educação Nacional, acedendo a uma vontade do próprio palestrante, pois queria muito conhecer-nos.
Apresentou-se pela primeira vez a 16 de Abril de 1930, na Sociedade de Geografia, dissertando sobre “A Alma de uma Nação”, o tema que quis partilhar com grande parte da intelectualidade portuguesa.
Falou-se na ‘Escola de Sabedoria’, por ele fundada em 1919 em Darmstadt, na Alemanha, como sendo “a primeira escola onde se ministra um ensino sem conteúdo, e onde ninguém a demanda para aprender: sob a influência da personalidade desperta-se e intensifica-se o pensamento e, acima de tudo, forma-se uma orientação espiritual sem cânones”.
Pode ler-se no relato do Diário de Notícias sobre esta conferência, que «nas poucas horas da sua presença em Portugal sentia-se já mais português do que supunha.”
Exultaram-se, inclusive, atributos que nos seriam comuns, pois lemos ainda que “Assim como ele, orador, viajava, para se ampliar em matéria de conhecimentos, assim os portugueses foram para as descobertas, não por motivos de ordem material, mas sim para dilatarem a sua espiritualidade, deduzindo por isso que o português é um verdadeiro criador de almas».
Todavia, este artigo aparece antes de ele ter proferido as tais considerações pouco abonatórias sobre aquilo que ele achava que éramos enquanto povo, ao rotular-nos como ‘mesquinhos, invejosos e explosivos’
É então que aparece Pessoa a escrever ao alemão – embora se pense que a dita carta possa nunca ter sido publicada ou mesmo que dela ele tenha tido conhecimento – questionando estas afirmações e respondendo como só ele sabia fazer:
“Que Portugal pensa ter podido ver? Há três e tudo está lá (…). Da terceira alma portuguesa feita de inteligentes e de entendedores, nada há a compreender.
Quanto à primeira alma portuguesa, se a vossa intuição é subtil, tê-la-eis adivinhado. Talvez a tenhais mesmo deduzido da paisagem e da luz, mais até do que aprendido nas próprias almas.
Nisto tudo, viu bem, mas não tereis visto que o visível. O Portugal essencial – a Grande Alma portuguesa, em toda a sua profundidade aventurosa e trágica – foi-vos velada…»
É que na verdadeira matriz portuguesa, não há só um Portugal, mas três, algo que realmente nos interessa enquanto membros da GLUP, como veremos de seguida; ouçamos então o que ele diz sobre isso:
“O terceiro Portugal que encontrareis à superfície dos Portugueses visíveis, é aquele que, depois da curta duração espanhola, e durante todo o curso inanimado da dinastia de Bragança, da sua decomposição liberal, e da República, formou esta parte do espírito português moderno que está em contacto com a aparência do mundo. Esta terceira alma portuguesa é apenas um reflexo mal compreendido do estrangeiro que passa, por uma hipnose, não do homem, mas só do seu caminhar”.
Sobre o primeiro Portugal, ou a sua primeira alma, elucida Pessoa:
“…nasceu com o próprio país; é esta alma da própria terra, emotiva sem paixão, clara sem lógica, enérgica sem sinergia, que encontrará no fundo de cada português, e que é verdadeiramente um reflexo espelhante deste céu azul e verde cujo infinito é maior perto do Atlântico.”
Finalmente, vejamos o que é o segundo Portugal:
“Há uma segunda alma portuguesa, nascida (isto é apenas uma indicação cronológica) com o começo da nossa segunda dinastia, e retirada da superfície da acção com o fim – o fim trágico e divino – desta dinastia.
Depois de Alcácer-Quibir, onde o nosso Rei e Senhor Dom Sebastião foi atingido pelas aparências da morte – não sendo senão símbolo, não era possível morrer – a alma portuguesa, que procurará em vão, tornou-se subterrânea e veio-nos de mistérios e sonhos antigos, de histórias contadas aos Deuses possíveis antes do Caos e da Noite, fundamentos negativos do mundo.
Esta alma portuguesa, herdeira por razões e desrazões que não é legítimo explicar ainda, da divindade da alma helénica, fortificou-se na sombra e no abismo. Outrora descobriu a terra e os mares; criou o que o mundo moderno possui que não é antigo, pois os outros dois elementos do mundo moderno (a substituição da cultura helénica e a semi-cultura latina, obra da Reforma e da Revolução Inglesa) são elementos obtidos por uma transposição de diferentes elementos das antigas religiões e civilizações; não são criados integralmente como o oceanismo, o universalismo e o imperialismo à distância que foram os resultados produzidos conscientemente pelo primeiro movimento divino da alma portuguesa, do segundo estado da Ordem secreta que é o fundo hierático, ou seja, a qualidade relativa às coisas sacerdotais, sagradas ou religiosas da nossa vida.”
De acordo com António Telmo, o primeiro Portugal, nascido com a primeira dinastia, é ainda hoje o que está no fundo de cada português; o segundo Portugal, cumprida a primeira metade da sua missão com a segunda dinastia, tornou-se subterrâneo; à superfície da história ficou o terceiro Portugal, surgido com a dinastia dos Braganças e prolongando-se pela República.
E como é hábito em Pessoa, para nos ‘desassossegar”, depois da descrição das três almas de Portugal, remata vaticinando o desaparecimento do terceiro e a ascensão gloriosa de um quarto Portugal, que será a manifestação superior do primeiro e do segundo.
Voltando à leitura do horóscopo do nosso país, anuncia que no dia 1 de Janeiro de 1978, ano em que se cumpriram 400 anos sobre Alcácer-Quibir, o Sol transitará da quarta para a quinta casa, depois de ter permanecido na primeira destas durante cento e um anos.
Ainda segundo a interpretação de António Telmo, e porque de astrologia percebo pouco, esta quarta casa é o lugar dos antepassados, a morada subterrânea dos heróis, aquilo que é designado como sendo o ‘Inferno do horóscopo’.
Conclui-se então, que,
“Se assim é, a entrada do Sol nesta casa em 1877 e a sua permanência ali durante um século e um ano não podem senão significar a descida aos infernos de Portugal.
Com efeito, continua este nosso saudoso I, estes cento e um anos marcam um período de extrema decomposição da Pátria, depois da morte prematura de D. Pedro V, em quem o povo, pressentindo a descida e a queda, pôs ainda o sinal da sua presença. De então para cá, assistimos à mais pura manifestação de mediocridade política nos três últimos Braganças, a essa terrível desilusão que foi a República, obra do positivismo que tinha fatalmente de produzir Salazar e o que ele representou, que nos educou durante 48 anos e deu a geração do 25 de Abril e a sua política de cozinha, sob o nome pomposo de Economia”.
Constatamos, portanto, já não estarmos na dita ‘casa infernal’.
Claro que não há sinal horário para um novo começo e as inércias ainda se fazem notar, mas o que convém interiorizar, e não esquecer, é que habitamos o quarto Portugal, a manifestação superior do primeiro e do segundo, ou seja, digo eu, estamos na hora da GLUP!
Congratulemo-nos, pois, por fazermos parte desta Augusta Ordem, acreditando que cada um de nós tem um trabalho a fazer para não defraudar as expectativas de tantos dos nossos antepassados.
Mais uma vez, na História da Humanidade, surge uma oportunidade para mostrarmos ao mundo o que que é que o mundo precisa, apontando o verdadeiro sentido da vida assim como quem traça um azimute na ‘singradura-pós-Iniciação’ para evitar naufrágios profanos.
Como já o disse antes, não seremos seguramente melhores que os II de outras Obediências; estamos é melhor preparados, matricialmente e no contexto da nossa génese, para fazer da Humanidade uma bênção e não um estigma.
Na verdadeira exigência que nos deve habitar, congratulo-me por a GLUP, na pessoa do nosso Respeitabilíssimo Grão-Mestre Paulo Cardoso, ter trazido para o Altar da Lei Sagrada o Livro que faltava, o Corão, companheiro indissociável da Tora e da Bíblia, sem o qual a nossa identidade enquanto Maçons e Portugueses não podia ser assumida.
Para que cumpramos o nosso desígnio, as nossas raízes têm que estar intactas. Se não o fizermos, a aprendizagem será frouxa, propicia à vinda de ‘companheiros’ que não hesitarão em liquidar os novos ‘Hirans’ que lhes fizerem frente, como já vimos acontecer.
Honremos o facto de que houve entre nós, senão connosco, uma organização esotérica que, de uma maneira perfeitamente consciente e intencional procurou, a partir desta Pátria, a que deu existência, redimir o mundo do mal e da divisão. Para os menos atentos, é óbvio que me refiro aos Templários.
Não sou eu que o digo, mas faço minhas as palavras de Américo Castro, historiador e antropólogo espanhol nascido no Brasil no séc. XIX, que explica a decadência dos povos peninsulares e todo o seu comportamento ulterior – não comparando-os com os outros mas com aquilo que foram – pela perseguição aos judeus, separando a história do nosso povo em duas metades: uma durante a qual o Rei era o senhor de três castas, três formas de organização social e três formas de religião – a cristã, a moura e a hebraica; outra em que a casta cristã passou a ter no Rei um partidário dominando definitivamente a cena política.
MMQQII: é por já termos vivido na plenitude dos três livros sagrados, na época do primeiro e segundo Portugal, as matrizes para o quarto Portugal, em harmonia com as diferenças de cada um, que fazemos a diferença.
Acredito que a maior parte de nós ainda não percebe muito bem o que é que é isto de sermos portugueses, mesmo tendo por cá nascido; é também por isso que estamos aqui hoje.
Estamos muito condicionados a uma intenção histórica de pura maquilhagem, direi mesmo de uma profunda operação plástica com o intuito de nos fazer defensores de ‘carochinhas’ e ‘gambuzinos de armadura’ para nos distraírem do essencial.
É para nos guiar de volta ao essencial que surge a Grande Loja Unida de Portugal. E não estou a falar do Rito Português em particular, mas sim de uma obediência maçónica, a nossa, que acolhe, na regularidade, todos os que ousarem defender a Fiat Lux, um termo, como sabemos, que é o ponto culminante da iniciação, ocasião em que o candidato recebe a luz da sabedoria maçónica, enxotando as trevas do mundo profano.
Olhando para trás, parece que algo correu mal, houve algo que falhou e que provavelmente se situou no reinado de D. Manuel I, adiando ‘sine die’ o que então se sabia.
Não nos esqueçamos que, obedecendo a uma exigência dos ‘Reis Católicos’, Isabel e Fernando, e para viabilizar um casamento entre as duas proles reais, o que não veio a acontecer por morte de um dos noivos, a irrevogável condição ‘sine qua non’ imposta ao nosso Rei para que tal pudesse acontecer foi a absurda expulsão dos judeus do nosso território, contrariando assim a disposição deixada por D. João II…
O seu legado não se perde, pois restam-nos os símbolos do ‘manuelino’ como derradeira pista para ser interpretada nos séculos vindouros, pois estes acontecimentos tiveram lugar quando as suas prováveis mensagens ocultas já se haviam dispersado pelo país inteiro.
Não nos esqueçamos que se damos conta de haver uma cor azul, é porque nem tudo é azul à nossa volta.
Se acreditamos que podemos fazer a diferença é porque algures, subliminarmente, habita a convicção de que somos mais que isto, mais que o nosso corpo, mais do parece que é ser-se português, o sentirmos o nosso legado e a responsabilidade de o aproveitarmos.
Todos juntos permitiremos que cada um, individualmente, se liberte da escuridão imposta pelos véus da ignorância e possa, com a sua própria luz, abrir caminho a muitos mais na senda da nossa imortalidade espiritual.
Por S. Jorge!
Disse!
LVBaptista, MM, GO das Artes
Prancha da Sessão de G.L., Templo Pátria, revelada a 27 de Setembro de 6017, Equinócio de Outono