O Silêncio

Meus irmãos, nesta ocasião peço-vos respeitosamente que fiquem em silêncio e assim estarão na perfeita disposição de entender os legados de uma virtude sem par.

Para entender corretamente o que significa o silêncio para o Maçon, devemos manter a sua definição profana, indicando que é a privação voluntária da faculdade de falar. E na verdade, quase todos sabemos falar mas poucos sabem calar. Podemos dizer que o silêncio é uma virtude através da qual se corrigem muitos defeitos e se aprende a ser prudente e indulgente com as falhas que se observam.

A razão contemplativa do silêncio deve inspirar o aprendiz e o Maçom em geral a potenciar as suas possibilidades espirituais que se encontram sempre latentes, por outras palavras no silêncio encontra-se sempre a possibilidade de crescimento, quando nos afastamos das nossas influências exteriores, abrimos os canais da concentração, observamos, escutamos e contemplamos. Isto por si só é um processo que absorve uma grande força de vontade e demonstra que não é fácil estar em silêncio.

A primeira etapa de aprendizagem maçónica é designada pelo silêncio como meio hábil de criar uma atmosfera de trabalho adequada e uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento intelectual e o cultivo da mente. É uma ferramenta hábil como indutora de calma interna necessária para neutralizar a ansiedade e a presa imposta pelas tentações do mundo profano.

Os irmãos aprendizes, dedicados ao desbaste da pedra bruta em silêncio, são símbolo vivo e operante de quem trabalha na construção da sua própria perfeição, de quem procura alcançar os mais altos princípios intelectuais, morais e sociais que modelam o nosso carácter plenamente, posto que esta atitude implica uma boa cota de força de vontade para conter a nossa necessidade natural de opinar e expressar os nossos pareceres. O silêncio nos dará a paciência necessária para a resolução de problemas e possibilitará escolher a palavra certa no momento em que estejamos habilitados para usar a palavra, com uma resposta adequada, inteligente, fraterna, livre de egoísmos e sem ofensas.

O silêncio dos aprendizes tem a dupla função de escutar a si próprio, pois os ruídos profanos dispersam-nos e apegam-nos ao superficial sem que possamos aprofundar os conhecimentos e como tal, se aprendermos a escutar, aprendemos a dar às nossas palavras o sentido profundo e correto que uma pessoa culta tem de ter. Tem ainda a função de escutar o outro, porque ao não participar nos debates centramo-nos e concentramo-nos na escuta reflexiva. Deste modo, as palavras dos nossos queridos irmãos não se perderão nas nossas cabeças, serão assimiladas, analisadas e incorporadas. Poderia dizer que enquanto os nossos irmãos falam, nós, os aprendizes participamos no diálogo por meio do nosso silêncio, mas não um silêncio por imposição, por ignorância ou por desinteresse, pelo contrário trata-se de um silêncio fértil que ajuda a desenvolver o nosso conhecimento, o nosso ser, a nossa consciência, e de certa maneira, também um silêncio ativo porque toma nota, pensa, dá fruto. Como vemos, o silêncio pode apresentar-se como passivo e ativo.

Para aprender a calar, temos de ter consciência das nossas fragilidades, o que por vezes é difícil encontrar o nosso silêncio interior. Dessa dificuldade deriva sem dúvida a maioria dos vícios do ser humano, pois a fala é por consequência a expressão audível dos nossos pensamentos, sentimentos e pareceres. O silêncio praticado pelos aprendizes é elevado à categoria de virtude, pois graças a ele é possível aprender a ser prudente, diligente, moderado e discreto.

Este tema faz-me retroceder no tempo, mais concretamente ao momento da minha iniciação. É bom recordar que o silêncio tem um papel principal no rito, desde que somos vendados e levados para a câmara de reflexões, é-nos revelado que só através da contemplação se pode aceder aos primeiros ensinamentos. A lei iniciática do silêncio começa quando ainda profanos, na câmara de reflexões, onde permanecemos sós, rodeados de símbolos, frases e palavras, e nos é estimulado a penetrar no nosso interior. De igual forma, quando prestamos juramento, adquirimos a obrigação de calar, especialmente quando nos é indicado que não revelaremos os segredos da ordem nem as palavras ensinadas ao mundo profano. Aí o silêncio simboliza a discrição e a disciplina do Maçom, assim como a sua lealdade para consigo próprio e seus irmãos. Para ser mais eloquente transcrevo um velho ditado que define bem esse ponto “os lábios da sabedoria estão mudos longe dos ouvidos da compreensão”, por isso, o bom Maçom prefere que lhe cortem a garganta que quebrar o silêncio.

O alcance da nossa palavra, produto do nosso pensamento, é a chave para a construção do nosso templo interior, através do polimento da pedra bruta. È melhor estar calado se não souber como e quando falar. É melhor estar calado, até que aprenda a importância de utilizar a palavra de uma forma consciente. É melhor estar calado enquanto não tenha a certeza de poder dominar a paixão como detonante do pensamento, e assim não avassalar, ferir, magoar o outro e seguramente magoar a mim mesmo. É melhor estar calado quando não esteja preparado para aceitar a minha missão. É melhor estar calado quando começo a caminhar por caminhos desconhecidos.

AM, JG