Bussaco: Palácio e Sacromonte

Na sequência das antecedentes deslocações (visitas lúdico/recreativas de convívio e estudo) já efectuadas a diversos locais, propõe-se agora a abordagem á região do Buçaco, deveras interessante, não apenas pela sua riqueza em termos de património histórico, artístico, mas igualmente pelo universo semântico em termos de significação simbólica esotérica.

-É uma proposta que surge no contexto dos eventos programados pelo R:.G:.M:. da GLUP, nomeadamente, o levantamento de colunas de uma R:.L:. à qual todos temos o dever de participar, bem como um acto formativo previsto para dias 07, de Maio, cuja programação foi atempadamente divulgado.

-O Paço Real do Buçaco ou Palace Hotel (como se queira designar) constitui um vasto conjunto patrimonial (arquitectónico, botânico e paisagístico), único no país, provocando impacto fortemente impressivo no eventual visitante. O edifício, concebido nos finais do século XIX pelo arquitecto e cenógrafo italiano Luigi Manini (igualmente autor do projecto da Quinta da Regaleira), contou com a colaboração de diversos notáveis artistas portugueses, em diversas áreas e fases da construção (Norte Júnior, José Alexandre Soares, Jorge Colaço, António Ramalho, Nicola Bigaglia, João Vaz, António Gonçalves, entre diversos outros, de que daremos nota final. Último cenário oficial da monarquia em 27 de Setembro de 1910. O edificado foi projectado desde 1888 finalizando a sua construção em 1907, data em que foi concedida a sua exploração por um espaço de 19 anos a Paul Bergamin, actualmente pertença do grupo Alexandre Almeida

-O edificado dentro de um espírito revivalista, apresenta um estilo neogótico-manuelino, alguns designam como um exemplo do “romantismo-castelar”. Para além dos belos jardins, das extraordinárias fachadas, dos magníficos pórticos, janelões e escadarias, contém uma rica decoração no seu interior, como sejam os belíssimos painéis de azulejos, frescos e quadros alusivos á gloriosa época dos Descobrimentos portugueses, bem como elementos estruturais evocativos de importantes monumentos dessa época, como a Torre de Belém, o claustro dos Jerónimos ou o Convento de Cristo, reportando um estilo gótico de mistura com episódios românticos, em contraste com a severa austeridade monacal.

Os Azulejos de caris historicista e nacionalista da autoria de Jorge Colaço (dez painéis de inspiração camoniana) nos portais nas galerias das alas norte, nascente e no extremo sul. Notáveis igualmente no Hall de entrada e no vão da escadaria, com predominância de azuis e brancos, com cercaduras de belo efeito cromático, mostrando cenas da guerra Peninsular, da Batalha do Buçaco. Outros temas como as cenas da partida para a Índia, a Tomada de Ceuta, Tomada de Goa, contam-se igualmente entre o importante acervo.

O mobiliário apresenta um conjunto notável de peças portuguesas, chinesas e indo-portuguesas, incluindo preciosas tapeçarias, sendo igualmente de destacar a Galeria Real, o tecto mourisco, o precioso soalho de madeiras exóticas os corredores ricamente decorados com mobiliário, pinturas e

Todos os quartos, apesar do toque actual moderno, permitem respirar um ambiente clássico, incluindo moveis do sec. XVIII até Art Nouveau. O actual hotel possui 64 quartos sendo de destacar a suite da Rainha D.ª Amália e a suite real do Rei D. Carlos.

-Último palácio (de caça) dos Reis de Portugal, transformado posteriormente em hotel, considerado um dos mais belos do mundo, contem no seu interior um enorme acervo artístico e concretiza um dos sonhos mais fantasiosos de um rei visionário (D. Fernando II de Saxe-Coburgo – Ghotta) ele próprio artista emérito, inspirado nas tradições românticas dos seus primos alemães, mandando edificar “o mais genuíno palácio real de conto de fadas num bosque encantado”.

Relativamente ao património religioso, são notáveis os Frontais de Altar, produzidos no sgundo e terceiro quartéis do seculo XVII, aplicados na igreja, construções adjacentes, capelinhas da mata e provenientes de Talavera de la Reina integrando o conjunto dos mais notáveis painéis de altar existentes em Portugal. Apesar das vicissitudes deste património ao longo dos tempos, especialmente com a Batalha do Buçaco e extinção das ordens religiosas, chegou até aos nossos dias mais de uma dezena de frontais, para além de subsistirem restos nas cercanias do Buçaco.

Ainda na segunda metade do seculo XIX o país ainda não se tinha recomposto dos traumas diversos que afligiram o país: A saída da Família Real para o Brasil, as Invasões Napoleónicas, a independência do Brasil, as lutas entre Liberais e absolutistas, grassando um espírito nostálgico e decadentista. Com o Fontismo o país tenta ressuscitar modernizando-se e industrializando-se, apostando nas obras públicas, ao mesmo tempo que tenta desenvolver o comércio e a agricultura. Apesar do balde de água fria, da ameaça de uma banca rota posterior, entretanto o país consegue um certo progresso. Por seu lado Silva Porto ao assumir a cadeira de paisagem da Academia Nacional de Belas Artes irá provocar uma autêntica revolução cultural no país: o Naturalismo porventura influenciado pela Escola de Barbizon (França) com a qual Silva Porto teve contacto, mas mantendo um ecletismo pictórico recebido mais tarde do sul de Itália. O Naturalismo não somente um olhar idílico e fantasioso da vida campestre. É muito mais um olhar realista (e uma denúncia), para o ritmo lento e atrasado do processo de desenvolvimento em Portugal, mostrando que era nas aldeias de Portugal que residia a realidade mais indesmentível.

Muitos dos artistas que trabalharam no Palácio, podem ser referenciados como naturalistas, ou pelo menos estariam bem atentos a essa corrente. onde se incluía o próprio rei D. Carlos de Bragança. Com Silva Porto e seus discípulos, alguns notáveis amantes do “ar-livrismo”, recusavam a ditadura da clausura do atelier e eventualmente, encontravam-se igualmente na tabacaria Mónaco ao Rossio, ou, e sobretudo no restaurante-cervejaria Leão de Douro.

A tabacaria Mónaco (nome derivado da visita do príncipe do Mónaco), fundada por José César Vieira da Cruz, constituiu um exemplar quase único de tabacaria do final do séc. XIX, sendo um dos raros estabelecimentos que mantem até à actualidade a mesma atividade comercial, mantendo igualmente sem alterações o mobiliário e a notabilíssima decoração interior. De notar ao visitante, o hibridismo decorativo resultante de um ecletismo intimista do espaço, integrando opções estéticas de diversos artistas desde Rosendo Carvalheira (autor do projecto, mobiliário e arquitectura de interiores), Pedro dos Reis (escultura), Rafael Bordalo Pinheiro (pintura de azulejo) António Ramalho (pintura do tecto) e alguns outros.

A tabacaria era frequentada por inúmeros intelectuais e artistas como Eça de Queirós, João de Deus, Trindade Coelho, Marcelino Mesquita, Gomes Leal, Henrique Lopes de Mendonça, Brito Camacho, João de Menezes, Fialho de Almeida

Em volta de Silva Porto, formou-se, como dissemos, na cervejaria Leão de Ouro, um primeiro grupo designado “O Grupo do Leão”, responsável pelo enorme sucesso da pintura naturalista. Realizaram oito exposições com enorme afluência de público, entre os quais o próprio rei D. Fernando II que de resto adquiriu algumas obras. Esta corrente constitui de facto uma verdadeira ruptura com um panorama artístico até então vigente, mostrando pequenas cenas do quotidiano, repletas de luz e com inteira liberdade de representação, dando particular atenção à vida do campo. O grupo representava-se como moderno, realista e vanguardista, integrando, algumas personagens importantes do nosso meio artístico como Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929); José Malhoa (1855-1933), Carlos Reis (1863- António Ramalho, António Augusto da Costa Mota

Numa breve resenha biográfica, recordemos alguns dos principais intervenientes:

-Emidio Navarro (1844-1905), Advogado, jornalista e político, foi membro do partido progressista histórico e ministro das obras públicas (1886.1889), adversário das politicas de Fontes Pereira de Melo.  A sua acção foi determinante, para o desenvolvimento do ensino da agricultura (fundando diversas escolas industriais e agrícolas), bem como para os transportes ferroviários. Foi notória a influencia que exerceu, para a implementação do Palácio Real de Caça no Buçaco.

-D. Carlos I. Em Agosto de 1904, o rei fez uma visita ao Buçaco que não visitava havia mais de 20 anos, permanecendo três dias. Regressou de novo no final do mês acompanhado da Rainha DªAmélia, realizando-se nessa ocasião diversos festas, chegando o rei a demonstrar os seus dotes de barítono. Possuía, notáveis aptidões artísticas, nomeadamente, como aguarelista, assinando muitas vezes como “Carlos Fernando”, é geralmente conectado com a segunda geração de naturalistas portugueses, conhecendo mesmo pessoalmente alguns dos maios notáveis artistas esta corrente.

O Naturalismo, teve uma prolongada existência em Portugal, desde finais do seculo XIX e passando até, a segunda metade do século XX. Essa situação deveu-se a vários factores nomeadamente a grande dependência da Inglaterra, incapaz de reverter o quadro de atraso e de decadência que enquadrou o país durante quase todo o seculo XIX. Os intelectuais portugueses esforçaram-se sem grande sucesso para elevar a moral de uma nação que se sentia frágil e inferiorizada. Estas afirmações artísticas encontraram-se em oposição e mesmo em ruptura com outros movimentos artísticos e de pensamento, como foram por exemplo, as manifestações do modernismo dos finais do séc. XIX e entrado em Portugal logo no início do século XX (havendo de prolongar-se adentro do Estado novo).

-Luigi Manini, (1848-1936) arquitecto, pintor e cenógrafo italiano, trabalhou no Scala de Milão e a partir de 1879, logo após a sua chegada a Lisboa, no Teatro Nacional de S Carlos, D. Maria II(cenários). Em 1894 procede à decoração da sala do teatro São Luís e em 1895 intervém no Museu Militar (decoração). Entre as obras mais emblemáticas, conta-se o Palácio da Quinta da Regaleira, em Sintra e o Palácio Real do Buçaco (a convite de Emídio Navarro, em 1888), bem como os cenários florestais envolventes. Recorde-se também, que muitos outros artistas (escultores, canteiros, entalhadores) trabalharão num e noutro local. Sintra constituía o ambiente ideal para o desenvolvimento da obra de Manini, nomeadamente os elementos inspiradores do manuelinos do Paço Real e o revivalismo romântico da Pena

Antes de vir para Portugal, onde viveu até 1913, já tinha deixado em Itália, obra assinalável (restauro dos frescos da Igreja de São Bernardino, Igreja de Cremasco, decoração da Villa Stramezzi, entre outras.

Corria o ano de 1878 quando, acidentalmente, um portal do Mosteiro dos Jerónimos ruiu, significando simbolicamente a decadência do neomanuelino. Estava-se numa época em que o sentimento nacionalista estava adormecido e o movimento romântico dava sinais de decadência. Em contraponto, o neomanuelino significava para alguns o renascimento da arquitectura portuguesa enquanto para outros tal estilo merecia o desprezo e a demolição. Mas em 1880 tiveram lugar as comemorações camonianas e em1898, celebrou-se a viagem de Vasco da Gama. Estes acontecimentos tiveram grande impacto evidenciando a grandeza dos Descobrimentos Portugueses em que o estilo manuelino é a principal representação plástica.

O seu ideário nacionalista, revelado já em obras anteriores, ganha expressão na adopção dos elementos do neomanuelino.

No palácio Foz, pinta o trecho da escadaria e em 1900, intervém na decoração do pavilhão português na Exposição Universal de Paris, onde pinta um telão com cenas alegóricas dos Descobrimentos evocando as viagens de Pedro Alvares Cabral, Corte Real e Fernão Magalhães. Para além das obras mencionadas fez intervenções nas Vilas Sasseti, Relógio, Challet Mayer, Chalet Biester (casado jardineiro), fachada do antigo hotel Tivoli, participou no projecto do actual Palácio dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, decoração do teatro Garcia de Resende, em Évora, teatro do Funchal. teatro Sá de Miranda, em Viana Castelo.

-Norte Júnior, Manuel Joaquim, (1878-1962), arquiteto e maçon. Concluiu o curso de arquitectura em Lisboa, estagiou em Paris, fez visitas de estudo em Espanha, França e Bélgica. Considerado por alguns analistas, como um dos melhores arquitectos do país (foi galardoado cinco vezes com o prémio Valmor), regista, uma notável participação nas Avenidas Novas em Lisboa e em outras ruas de lisboa (Casa Malhoa, edifícios na Av. da Republica , Av. da Liberdade, Praça Duque de Saldanha, Av. Fontes Pereira de Melo, Av. Almirante Reis, Edifício Abel Pereira da Fonseca, Café Nicola, Crédito Predial Português, Teatro Variedades, Cine Royal, Villa Sousa no Lumiar, Casino de Sintra ,Palacete Belmaço (Faro), Palace Hotel da Curia, palacete da Sociedade Amor da Pátria-Horta, etc. No Buçaco assina o projecto da Casa dos Brasões.

Espirito eclético, inscreveu o seu nome na arquitectura contemporânea de Lisboa, ombreando com a notável geração de jovens arquitectos modernos (Ventura Terra, Adães Bermudes, Ernesto Korrodi, Cristino da Silva, Pardal Monteiro, Raul Lino, Cassiano Branco, e outros.

Tal ecletismo (que a arquitetura portuguesa revela no início do seculo XX), igualmente se encontra patente na intervenção no Hospital de Santana (Parede), efectuada, conjuntamente com outros, entre os quais, Rosendo Carvalheira (Abadia-Palácio Foz). A localidade da Parede constituía, de resto, ponto de convergência de habitações de pessoas das suas relações, como o arquitecto  Nicolla Biglalia e até ilustres republicanos e maçons, como Francisco Grandella, João de Arriaga e Manuel de Azevedo Gomes.

-Nicola Biglalia, (1841-1908), prestigiado Arquitecto, aguarelista e modelador, italiano, radicado em Portugal desde 1888.Professor na escola industrial de Leiria, onde lecionou modelação ornamental.

Artista de concepção clássica, premiado com o prémio Valmor, teve importante intervenção em Portugal nos finais do seculo XIX e inicio do XX, como na casa da Ínsua, actual hotel de Carme. São de mencionar outros trabalhos como, no Buçaco (Casa dos Cedros), Viseu (projecto do Asilo da Viscondessa de S. Caetano), Silves (casa do Visconde de Lagoa), Leiria (Convento da Portela),Leça da Palmeira ( Casa Museu da Quinta de Santiago),Setubal (Teatro Dª Amélia), Parede (Casa da Condessa de Edla e Casa da família Azevedo Gomes), Lisboa (Palácio Lima Mayer, Palácio Lambertini, Palácio Vale Flor, Palacete Leitão,).N o Buçaco assina a mencionada Casa dos Cedros.

-José Alexandre Soares autor de alguma intervenção no Palácio Hotel do Buçaco, riscando alguns pormenores arquitetónicos. Foi professor da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e interveio nalguns espaços de Lisboa nomeadamente no quiosque do Parque Silva Porto em Benfica.

-Carlos António Reis (1863- 1940) Pintor notável sobretudo dos meios aristocráticos e da realeza, mas igualmente representando cenas da vida quotidiana do povo português nomeadamente nos seus aspectos típicos, bodas e festas. Foi bolseiro em Paris, frequentando a respectiva escola e os ateliers dos mestres mais considerados. Professor da Escola de Belas Artes de Lisboa e colaborador em diversas revistas. Foi fundador do Grupo “Ar livre. Foi Director do Museu Nacional de Belas Artes e mais tarde do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Foi um pintor considerado o mágico do branco para comunicar as transparências da luz em obras de alto índice de cor e luminosidade.

Das suas inúmeras obras destacamos os painéis da sala de baile do palácio do Bussaco, a Sala do Senado e um retrato de D. Carlos depositado no Palácio de Vila Viçosa.

-António Ramalho (1859-1910), Pintor, discípulo de Tomás da Anunciação e Silva Porto. Em 1882, faz parte dos artistas naturalistas do Grupo do Leão e que adoptaram o trabalho ao ar livre. Desenvolve uma gramática formal de sabor revivalista embora não tenha ficado imune aos trabalhos da Art Nouveau. Colaborou no Jornal humorístico “António Maria” e trabalhou com João Vaz na obra do Buçaco, nomeadamente na decoração da escadaria, nos frescos da sala de jantar e na abóbada. Interveio também no teatro Garcia de Resende em Évora e no Palácio Sotto Mayor em Figueira da Foz,. Foi ainda autor dos vitrais do Hospital de Santana na Parede e no Palácio da Bolsa no Porto. Era presença costumeira na tabacaria Mónaco, tendo intervenção na obra do tecto do estabelecimento.

-João Vaz (1859-1931), pintor paisagista, especialmente focado em temas de marinha, pelos quais é costumeiramente designado como “marinhista”. Foi igualmente influenciado pelo impacto da fotografia, reivindicando também a libertação do atelier. Assim, integrou a fundação do Grupo do Leão, proclamando uma nova estética para a pintura no final do sec XIX, afirmando a imperatividade da Luz, como dimensão da sua própria pintura. Colaborou com António Ramalho em diversas obras especialmente na obra do Buçaco onde pintou os frescos da sala de jantar ilustrando passagens dos Lusíadas. Fez intervenções em diversas salas do Palácio de Belém, Sala da Restauração do Museu Militar de Lisboa, entre diversas outras.

Realizou obra assinalável nos Passos Perdidos da Assembleia da Republica, Teatros Rainha Dª Amélia e Garcia de Resende

-António Augusto da Cosa Mota (1852-1930) nasce em Coimbra onde na Associação dos Artistas começa a mostrar as suas aptidões, passando depois para a Escola Livre das Artes do Desenho onde terá como professor o Mestre António Augusto Gonçalves. Mais tarde, em Lisboa, terá como professores, Silva Porto, Tomás da Fonseca, Simões de Almeida, Sousa Viterbo. Como escultor integra-se na transição do romantismo para o naturalismo e mas tarde para o modernismo, sendo por isso difícil encontrar referencias estilísticas seguras para a sua produção. Num contexto em que o naturalismo quebrava a tradição romântica, o modernismo impõe-se como uma nova corrente original no seu tempo. Não obstante e denotando as dificuldades da escultura em adoptar novas correntes e cortar com a tradição clássica, o artista opta por uma estética revivalista. Foi galardoado com diversos prémios ainda como aluno de Belas Artes.

Foi presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes entre 1912 e 1915 e de novo em 1917. Deixou uma notabilíssima obra pública como restauro do coro alto dos Jerónimos; autor de diversos  bustos entre os quais, Miguel Bombarda, D. Carlos, João de Deus, José Malhoa, José Augusto Aguiar, António José de Almeida. Realizou os monumentos da Maria da Fonte e Afonso de Albuquerque, bem como, os túmulos de Luís de Camões e Vasco da Gama, mausoléu de Magalhães Lima no cemitério dos Prazeres. No Palácio Hotel do Buçaco irá colaborar com o amigo e mestre de Coimbra António Augusto Gonçalves, na obra “O Trovador”, bem como no grupo escultórico da Quinta da Regaleira.

-António Augusto Gonçalves, Professor de Escultura na Escola Livre das Artes do desenho tendo tipo como aluno António Augusto da Costa Motta, com o qual trabalharia no “Trovador” no Palácio Hotel do Buçaco e no grupo escultórico da Regaleira em Sintra. Com eles trabalharia igualmente o escultor João Machado.

-Jorge Colaço (1868-1942) desenhador, destacou-se na caricatura, na pintura e especialmente no azulejo, demostrando uma inigualável capacidade inovadora sobretudo ao nível das técnicas. Foi Director e Proprietário de revistas como O Thalassa, colaborador da Revista Branco e Negro. Era primo da actriz Amélia Rey Collaço Da sua vastíssima obra tanto em Portugal como no estrangeiro (Brasil, América Latina, Suíça) destacamos A estação de s. Bento, o Pavilhão dos Desportos (actual Carlos Lopes), Palácio da Bemposta, Palácio dos Condes de Óbidos e naturalmente o Palácio Hotel do Buçaco.

Toda a envolvência espacial do edifício com belíssimos, jardins complementam e acrescentam a beleza do local. referente á belíssima mata, de cuja gestão eram responsáveis os monges do antigo convento de Santa Cruz do Buçaco. Havia até, sancionada por bula papal (1643) a ameaça de excomunhão para quem destruísse árvores, bem como a obrigação em cada ano de se plantarem novas árvores, em substituição as que eventualmente tivessem sido cortadas. Com efeito , gravadas na pedra da portaria (Porta de Coimbra), duas bulas, uma de Gregório XV (1622), interditando o espaço conventual a mulheres e outra, de Urbano VIII (1643), interditando o corte de árvores.

Na Mata Nacional do Buçaco, um dos mais importantes arboretos europeus, em que avulta o “cedro do Buçaco”, poder-se-ão apreciar os Miradouros românticos, passos da Via Sacra e Cruz Alta, diversas ermidas e capelas, lagos do Vale dos Fetos, cascata da Fonte Fria).

Buçaco (cujo nome poderá derivar de Boscum Sacr un que daria “Sublaco”, nome de um lugar de penitencia em Roma, ao tempo de S. Bento), representa simbolicamente, um Sacromonte ou montanha sagrada, cuja concepção subsiste em muitos santuários do nosso país. É um conceito italiano, que remonta ao seculo XV, época em que Jerusalém se encontrava na posse dos turcos otomanos. A noção evoca, uma forma de representação da cidade santa, que se revive, recorrendo a um trajecto serpentiforme (iniciático-ritualista), no qual, se sucedem capelas devocionais, aludindo aos passos da prisão e paixão de Cristo.

A partir de Itália difundiu-se rapidamente por toda a Europa, possibilitando ao viandante uma rica experiencia espiritual salvífica (com a mesma intensidade de uma presença real na Palestina), revivendo os últimos momentos da vida do Salvador. Em Portugal, país de antiquíssimas religiões, em que esta forma de participação numa experiencia hierogâmica, não era estranha, facilmente a religião oficial encontrou terreno fértil. Com efeito alguns aspectos da noção de sacromonte já se encontravam em antigas tradições cultuais, donde no inconsciente colectivo, constituindo hoje uma marca identitária da espiritualidade do povo português.

Em 1644, na sequencia da Contra-reforma, por acção do Reitor de Coimbra, Manuel de Saldanha surgiu a Via Crucis, concretizando-se através da colocação de cruzes de madeira com legendas, permitindo analogia com a tipologia dos calvários medievais. Cinquenta anos depois (1594) o Bispo-Conde de Coimbra D. João de Melo mandou colocar pinturas dos Passos da Paixão, dentro de pequenas ermidas de planta central (Ermidas de Devoção), impondo a sua pedra de armas na frontaria da cada capela dedicada a S. José. Os analistas referem que este Bispo queria que a sua acção não se resumisse a um percurso messiânico, querendo ir mais longe, na representação de uma nova Jerusalém no deserto Carmelita. Assim, faz coincidir numa dimensão mais reduzida, a exacta distância das medidas, “reais”,  “históricas”, entre cada passo da Paixão, descritas nos textos canónicos e transpostas para o local, resultando, dadas as restrições espaciais, na sinuosidade do trajecto.

Mas a emulação a Jerusalém vais ainda mais longe, dado que este personagem incorporou elementos não descritos nas escrituras como o Cedron e outros como a porta de Siloé, Porta Judiciária, o Pretório, e o Calvário. No Pretório encontram-se os 28 degraus que Cristo subiu para o palácio de Pilatos e a varanda do Ecce Homo. No Calvário os corpos sextavados e paralelepipédicos representam o sepulcro de Cristo.

No Séc. XVIII, D. António Vasconcelos e Sousa patrocinou a criação de figuras de vulto de que resta apena uma na Ermida de S. José. Em 1887, dada a degradação do local Rafael Bordalo Pinheiro foi encarregado pelo governo de cria doze grupos escultóricos para os doze Passos, mas dos quais apenas foram realizados nove, mas que não foram colocados nos locais devidos. Mais tarde os Passos beneficiaram com a intervenção do escultor Carlos Mota (sobrinho), policromada a partir do Passo do Despojamento das Vestes.

Existem também diversas Ermidas de Penitencia de invocação das diversas Nossas Senhoras (Assumpção, Expectação, Conceição), Stª Teresa, Santo Elias, S. Miguel, S- José, S- João Baptista, etc., destinavam-se a habitação dos monges Carmelitas, que desejassem viver algum tempo fora da comunidade.

Aqui chegados, poderíamos colocar a questão das razões julgadas pertinentes, para propor um passeio num ambiente florestal, talvez algo fisicamente fatigante. Sem dúvida de que razões estéticas, a tranquilidade contemplativa do local, a sua dimensão esotérica -simbólica, ou o contacto revigorante com a natureza, serão considerações bastantes. Mas mais importante que tudo isso, o que se queria relevar, seria a possibilidade de aumento da consciência em “si” (em cada um dos visitantes). de uma experiencia espiritual, cósmica e que tem a ver com uma concepção do sagrado, que ultrapassa a narratividade dos textos religiosos oficiais. As experiencias espirituais não são apenas possíveis num contexto ritual. Tais experiencias podem ser produzidas noutros contextos, noutros ambientes apropriadamente estimulantes e daí a resposta á questão acima colocada.

Para muitos, urge reinventar uma espiritualidade e uma experiencia religiosa apropriada para o seculo XXI e, é bem verdade que o Papa Francisco e muitos outros têm procurado fazê-lo. O Deus do homem ingénuo, descrito como um ser que nos salva, que nos protege e que nos premeia e de cujos castigos temos medo, permitiu aos psicanalistas (e outros), descrevê-lo como uma sublimação do “pai” que tem uma relação com um “filho”, que lhe deve inquestionável obediência. Respeita-se tal perspectiva (se isso for equilibrante para as pessoas), até porque nos parece possível complementar, com um pensamento espiritual mais amplo e profundo, de resto, pressentido há já longo tempo, desde a filosofia clássica, medieval, Francisco de Assis, Spinoza, William James e muitos outros. De facto, seria importante que o homem religioso, possuísse crescente sentimento extasiante, face á intrigante harmonia da lei natural, desta grandiosidade harmónica, que esta envolvência permite evocar. Aqui, começa a surgir um fio condutor, uma matriz espiritual, cósmica, indistintamente comum a dezenas dos santuários (muitos deles locais sagrados pré-cristãos) que Portugal regista: Buçaco, Tomar (mata dos sete montes), serra de Sintra/Regaleira/ Bom Jesus (Braga), Srª dos Remédios (Lamego), Nª Sra. das Preces/ Oliveira do Hospital ou Nª Sª da Peneda (Gerês), para apenas citar alguns

Então, Deus é a origem de tudo o que existe perante os nossos sentidos; uma substancia eterna com atributos infinitos; é a natureza e as suas manifestações mais evidentes, são todas as criaturas vivas. E tudo isso impregna a nossa concepção de Cosmo no qual nos angustiamos na premente interrogação, do que é a vida, a existência, qual nosso papel, qual o nosso princípio e qual o nosso destino. Quando actuamos em concordância com a natureza de Deus, produzimos felicidade e produzimos uma espécie de salvação e um sentimento de Liberdade. Não apenas, aquela espécie de liberdade atinente ao livre arbítrio, mas uma liberdade mais radical, uma redução drástica da dependência em relação aos objectos, face aos quais, vivemos aprisionados. Quando deixamos prevalecer comportamentos egóticos, quando não conseguimos ser amáveis, quando não nos disponibilizamos solidariamente, negamos a oportunidade de atingir a paz interior e o sentimento da plenitude. Assim, não há que temer Deus, pois que a única coisa a temer, é o nosso próprio comportamento.

Daí a importância de se utilizarem instrumentos intelectuais como o conhecimento e a reflexão profunda e que poderão ser exponenciados na contemplação e introspeção daqueles complexos ambientais estimulantes, plenos de harmonia, tranquilidade, beleza e força telúrica.

Um incomensurável abraço amigo e solidário
Fernando Casqueira
R:.I:. G:.P:.B:. / V:.M:.