(Os portugueses partirão) em busca de uma India nova que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos.
Fernando Pessoa (1888/1935)
Agora, fazendo-se tudo na interioridade, os monstros a vencer estarão na sua alma, ‘num mar sem tempo nem espaço’ e já não projectados num mar exterior. (…) Esse será o primeiro passo, inelutável, para o encontro consigo mesmo, a prova pedida: vencer o medo.
Dalila Pereira da Costa (1918/2012) *
(Fernando Pessoa) morreu sem ter visto que uma comunidade (de língua portuguesa) se formasse, como não a viram nem um Vieira (1608/1697) nem um D.Luís da Cunha (1662/1749)** nem um D.João VI, porque podem os homens imaginar e desejar o futuro mas a sua vida passa-se no presente; e é pena que nele se passe tão pouco, já que o presente é o tempo de Deus.
Agostinho da Silva (1906/1994)
É estimulante ler nestas curiosas frases um contagiante e estimulante sentimento de não acomodação ao passado, pressagiando que a nossa missão, se a houver, não se cumpriu e que ainda há capítulos por escrever no “Livro de Ouro” da portugalidade. As palavras que hoje vos dirijo nesta prancha/manifesto servem precisamente para vos convidar a nele se inscreverem por direito próprio.
A vida pode não ter um propósito unificador, mas isso não nos impede de procurá-lo. Encontrar um motivo e acreditar nele pode ser todo o propósito que precisamos.
Podemos escolher viver como a cortiça que flutua no vasto oceano, ao sabor do vento e das correntes, sem se preocupar com isso ou com a batimétrica. Ou podemos almejar a ler as isóbaras, a interpretar um ábaco de marés e perceber de oceanografia. É este o desígnio que nos espera, se acreditarmos no que dizem os escritores e filósofos acima citados. Para o fazer não temos que ir à escola ou para a Faculdade: basta-nos não desperdiçar quem somos, e usá-lo em prol do significado da Iniciação por onde todos passámos.
Na visão manifestada pela GLUP para o Rito Português, somos convidados, entre outras coisas, a divulgar os pensadores como o professor Agostinho da Silva por nos ajudarem a refletir e a compreender aquilo que somos, enquanto portugueses, e ao que podemos aprender e aspirar com os seus ensinamentos enquanto seres humanos empenhados em melhorar as nossas tendências cognitivas.
Debrucemo-nos, como mote, nesta sua frase: “A questão portuguesa não é de se falar ou não falar português. É de ser ou não ser à maneira portuguesa, que é ser variadíssimas coisas ao mesmo tempo, e por vezes coisas que parecem contraditórias; e é a possibilidade de tomar um tema e olhá-lo de várias maneiras, conforme o temperamento da pessoa, a época em que vive, a linguagem que usa, a maneira como se sente na vida.” (o bold é meu)
Ou seja, é agir sempre em função do Agora, do momento exacto em que nos encontramos e arriscando decidir em conformidade com essas premissas por confiarmos no nosso discernimento.
Que fique claro que a proposta aqui avançada exige, como obreiros desta ordem iniciática, uma dedicação incondicional, tendo em conta, e volto a citar o professor/filósofo, que “Toda a grande obra supõe um sacrifício; e é no próprio sacrifício que se encontra a mais bela e a mais valiosa das recompensas.”
Meus queridos irmãos, acreditem que “O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.”
A Maçonaria, enquanto organização iniciática, está vocacionada para fazê-lo, libertando-nos da influencia nefasta da soberba e do ego em prol do próximo; e a GLUP, enquanto ordem maçónica aferida ao nosso âmago, à portugalidade, é a mais indicada para o conseguir.
O desafio é saber como fazê-lo, embora não seja difícil: só se exige que se cumpram os rituais e respeitem os ritos porque está lá toda a informação que precisamos.
Vamos então confirmar estar na posse de uma mais valia que nos permitirá fazer face a tão grande empreendimento, não desperdiçando as nossas qualidades intrínsecas: as congénitas e as adquiridas.
Como sabem, é-nos dito que pela iniciação sofremos a morte profana e renascemos para a Luz. Não há aqui qualquer comparação com postulados tipo New Age, pois a Luz que nos é conferida após a Iniciação é pertença de uma Old Age milenar…
O que vos digo é que nesse dia especial, tivemos ou deveríamos ter tido, uma epifania que nos permitiu perceber que o nosso corpo é somente um veículo físico para a consciência e que ela prevalece para lá da nossa morte física.
Essa clarividência, não pode haver melhor palavra para o definir, vai sendo reforçada à medida que nos elevamos de grau, culminando, neste simbolismo ternário, com a nossa exaltação a Mestre onde, como irão compreender aqueles que ainda não lá chegaram, tudo se torna mais óbvio.
É, portanto, ao libertarmo-nos da morte, não só pelas obras valorosas que anuncia Camões, mas também por acreditarmos que a nossa consciência permanecerá como eco da nossa manifestação física que, sem angustias ou medos existenciais, teremos a força que os poetas anunciam, os historiadores corroboram e nós acreditamos.
Ao assumi-lo, captamos a energia da água vinda da matriz aquífera oriunda da nascente Lusitana, canalizada por Viriato desde a Mãe d’água primordial, berço oceânico da vida na Terra.
Mas nunca nos esqueçamos que ela é alimentada por todos os mares do mundo, mares por sua vez chegados até nós à boleia de astros que denominámos Cometas e que, ao despenharem-se na crosta terrestre, trouxeram com eles este precioso liquido amniótico onde nascemos, mimese orbital do gâmeta masculino que ao encontrar o seu par feminino, o planeta Terra, originou o milagre da vida.
Somos hoje parte dos dez milhões de pessoas chamadas de ‘portuguesas’ e de mais uns tantos que se encontram na diáspora e que formam outra gota, maior que a maçónica, mas ainda assim diminuta se comparada com o grande reservatório planetário onde, nos dias de hoje, coabitam mais de sete mil milhões de seres.
E devido a este elevado número de seres humanos na Terra teremos, a curto prazo, necessidade de empreender expedições intergalácticas para lidar com a crescente falta de recursos para satisfazer as necessidades desta tão grande população que aumenta exponencialmente a cada dia que passa; a nossa casa, “este maravilhoso pontinho azul no espaço”, como o apelidou o astrónomo Carl Sagan, precisa de ser aliviada de tanta exploração de recursos.
Para isso é imperioso descobrir novas formas de lidar com o Espaço e o Tempo, pois com o actual nível de conhecimento cientifico, isso ainda não é possível.
Compete-nos proporcionar enquanto cidadãos activos no mundo profano, e que em última análise também é o nosso, que as condições ambientais e humanas não se deteriorem ao ponto de ser irreversível qualquer tomada de posição.
O processo pode ser longo, mesmo geracional como o da construção do Mosteiro de Santa Maria da Victória ou da Batalha e que, como sabem, levou mais de dois séculos a ser construído, com as obras a estenderem-se durante os reinados de sete reis; mas fez-se, e isso é que importa!
Este é o nosso momento para começar, não há como adiar: é urgente actuar!
Talvez, quem sabe, seja esta a vocação intrínseca da GLUP, recrutando obreiros e filiando-os para melhor desempenharem a sua tarefa.
Eu acredito nisso, pois as ferramentas que dispomos enquanto portugueses – séculos de história e aprendizagem – são as mais adequadas para levar a bom porto as nossas intenções.
Chegamos agora à conclusão mais importante deste manifesto.
Interiorizem e memorizem que ‘levar a bom porto’ não é um destino a alcançar ou um local a atingir pois, meus queridos Irmãos, aqui não há portos de destino…O que há, sim, são tirocínios espirituais, singraduras vitalícias onde todas as respostas nos serão dadas.
E talvez seja esta a chave do sucesso a que todos almejamos: não temos que chegar a lado algum, mas chegaremos a bom porto!
Temos é que começar já a reunir a palamenta para a “viagem” e viver o momento exacto em que nos encontramos, o ‘Agora’, focando-nos no tempo presente, o tempo de Deus como nos foi dito por Agostinho da Silva, fazendo valer a ‘matéria’ com que é feito um português.
*Dalila Pereira da Costa foi uma escritora, ensaísta e poetisa nascida no Porto, aceite como um dos maiores vultos da cultura portuguesa contemporânea.
**D.Luís da Cunha nasceu em Lisboa e foi um diplomata português que serviu o rei D. João V. Foi comendador da Ordem de Cristo, arcediago da Sé de Évora, Juiz desembargador do Paço, enviado extraordinário de Portugal às Cortes de Londres, Madrid e Paris, e ministro plenipotenciário no Congresso de Utrecht. Pertenceu também à Real Academia de História
Setembro de 6016, a Oriente de Lisboa, LVB, M.M., G.O. das Artes